“Terra Batida” é uma rede de pessoas, práticas e saberes em disputa com formas de violência ecológica e políticas de abandono, iniciada por Marta Lança e Rita Natálio. O conhecimento singular e local de conflitos socioambientais, aliado à ação em rede, convocam resistência aos abusos extrativos e também pedem cuidado: para especular e fabular, para construir visões e vidências sensoriais entre mundos exauridos e exaustos.
Anualmente, são organizados programas de residência artística para que artistas, cientistas e ativistas se cruzem no acompanhamento de conflitos socioambientais. Destes programas, emergem pesquisas e propostas artísticas compartilhadas publicamente através de conversas, performances, experiências, textos, caminhadas, etc. Estudar de perto a hegemonia e a monocultura da violência ecológica através de processos artísticos, é também uma forma de nutrir sensibilidades biodiversas e eticamente vinculadas ao turbilhão de problemas que muites têm chamado de Antropoceno.
A proposta Terra Batida enredou, ao longo de 2020, intervenientes das áreas da dança, cinema, performance e artes visuais com investigadores, cooperativas e ativistas nas regiões de Ourique, Castro Verde, Montemor-o-Novo, Aveiro, Ílhavo e Gafanha da Nazaré, somando contributos de várias linguagens e urgências. Estas residências intensivas tinham como objetivo o acompanhamento de contextos específicos para pensar e operar em múltiplas escalas locais, globais e multiespecíficas. Na região alentejana, discute-se desertificação, agricultura superintensiva e a concomitante extração de trabalho migrante, assim como minas desativadas e tóxicas, mares de estufas litorais, a falta de água e de gente, a conservação de espécies, formas de resistência comunitária e a leitura da paisagem segundo o seu povoamento; na região de Aveiro, problematiza-se a erosão acelerada da linha costeira, o tráfego portuário, a subida do nível dos mares e o desaparecimento da ria, garante da biodiversidade e da captação de carbono. Em novembro daquele ano, parte deste processo foi partilhado no Teatro Municipal São Luiz, durante o Festival Alkantara, num pequenos ciclo com augúrios e propostas de Ana Rita Teodoro, Joana Levi, Maria Lúcia Cruz Correia, Marta Lança, Rita Natálio, Sílvia das Fadas e Vera Mantero, conversas, laboratórios e um número especial do Jornal MAPA.
Em 2021, Rita Natálio organizou uma residência de pesquisa em Lisboa com foco na cidade e nos trânsitos em diferentes escalas (centro/periferia, rural/urbano, nacional/internacional, passado/futuro, local/global). Para esta edição, contamos com a presença da coreógrafa Ana Pi e do artista visual Irineu Destourelles, e o desenvolvimento de propostas já iniciadas em 2020 por Maria Lúcia Cruz Correia & Margarida Mendes, e Ana Rita Teodoro & Alina Ruiz Folini e uma performance festa de DIDI. O programa destes 3 dias é sobretudo um convite à coletivização da experiência do desaparecimento histórico e do luto ambiental, mas também à presentificação do afeto por entes ou pessoas não-humanas.
Em 2022, a Terra Batida lança a Escola Refloresta Livre, um programa de 3 dias tendo em vista a partilha de investigações sobre desflorestação e monocultura, estratégias e práticas de regeneração. Num tom de encontro e círculo de estudos, a Escola Refloresta Livre contou com o arquiteto Paulo Tavares, que intervém em diferentes contextos florestais sul americanos com iniciativas que questionam o campo das “naturezas visuais” e dos direitos não-humanos; Helen Torres e Zoy Anastassakis, que farão uma abordagem a ferramentas da ficção especulativa, práticas de leitura e escrita, e teorias da antropologia multiespécie; Paulo Pimenta de Castro, coautor do livro “Portugal em Chamas – Como Resgatar as Florestas” (2018), e o projeto À Escuta, iniciativa desenvolvida no Parque Natural da Serra da Estrela e sua envolvente por Joana Sá, Luís J Martins, Corinna Lawrenz e Nik Völker. Teve ainda lugar uma formação online com Geni Núñez, ativista indígena e psicóloga que tem inspirado reflexões instigantes sobre as relações entre reflorestação e não-monogamia, e que guiou a jornada “Reflorestamentos afetivos: pistas para descolonização”.
Em 2023, a 4.ª edição do Terra Batida atribui bolsas de investigação a Alina Ruiz Folini, coreógrafe com um extenso trabalho de pesquisa sonora e performance, e a Teresa Castro, investigadora e escritora que se tem debruçado sobre as relações entre o cinema e o animismo, a ecocrítica e as formas de vida vegetal na cultura visual. Em parceria com a Câmara Municipal do Fundão, os artistas reuniram-se com diversos agentes da cidade e dos territórios adjacentes para pensar com e a partir dos seus desafios ambientais, nomeadamente o cultivo intensivo de eucaliptos e pinhais; o risco de mega-fogos; a preservação de saberes associados a plantas autóctones, medicinas sensíveis e práticas de regeneração; os novos sítios de prospeção de lítio no Barco e em Alvarrões; e ainda as minas desativadas da Recheira, ou em funcionamento, como a da Panasqueira – que carregam a história do volfrâmio e da Segunda Guerra Mundial, e continuam manchadas pela morte e pela contaminação. Em outubro, pela primeira vez a estrear propostas e trabalhos em processo primeiro no próprio local das residências, a Terra Batida regressou ao Fundão para partilhar “Aeromancia” de Alina Ruiz Folini e “Conspirações” de Teresa Castro. Em novembro, ambas as performances unem-se a um workshop por Rita Natálio e à instalação e jogo “E lá no fundo, o que é que tem?” por humusidades para o habitual ciclo no Festival Alkantara.