DE ARQUIVOS E REPERTÓRIOS, ARQUIVOS-REPERTÓRIO E/OU REPERTÓRIOS-ARQUIVO
O arquivo, como conceito, tem-se tornado um lugar de dissenso que, não obstante ou talvez até precisamente por isso, mantém a sua potência. A distinção entre arquivo e repertório (Diana Taylor) é aqui tomada não como dicotomia, mas como ponto de partida para mapear ou tecer uma complexa trama de tensões, sobreposições e combinações. A topologia expandida do digital e a (des)localização multiplicada de arquivos sencientes (Linda Caruso Haviland) têm vindo a desarticular a relação entre arquivo e domiciliação e convidam a um alargamento das questões relacionadas com estruturas e dinâmicas de poder, nomeadamente condições de acesso, seleção e transmissão. Estabilidade e instabilidade, durabilidade e efemeridade, legitimidade e ilegitimidade, impermeabilidade e permeabilidade, completude e incompletude: estas e outras oposições são, uma e outra vez, complicadas pela performatividade dos arquivos (arquivos-corpo e corpos-arquivo). Que transformações e deslocamentos emergem desta expansão e (re)distribuição do arquivo, não entendido apenas como repositório estanque ou controlado, mas também como veículo volátil e ingovernável? Que aberturas e que aporias carregam movimentos contra ou anti-arquivo, os arquivos sencientes e/ou os arquivos putativa ou efetivamente obsoletos? Quais as ecologias e economias de arquivo? Como podem os arquivos ditos menores, os que trabalham enfaticamente nas brechas, nas lacunas, no invisibilizado, no sensível, no incapturável, informar a relação com os arquivos institucionais ou instituídos, que reiteram narrativas hegemónicas, discriminações sistémicas, sistemas de controlo opressores? Quais as consequências desses possíveis outros modos de uso e de relação para a noção, sempre problemática, de memória coletiva? Que modos de cuidado são possíveis na construção de memória(s), de história(s), de (u)topias? A descolonização, democratização ou desierarquização do arquivo são concretizáveis? Como sustentar uma ética arquivística, implicada e comprometida com processos de (sempre insuficiente) reparação?
Intervenientes
Ana Bigotte Vieira, Carlos Manuel Oliveira, Daniela Agostinho e Paula Caspão