A peça FoFo tem como ponto de partida o kawaii, um modo de vida enraizado na cultura japonesa. No campo semântico, refere-se à ideia de vulnerabilidade e fragilidade, a pessoas, imagens ou objectos adoráveis. O cute em Inglês, mi-mi em Francês, fofo em Português, encontra-se codificado em todos os lugares. Relacionado com o mundo infantil e tendencialmente feminino, expressa-se pelas suas muitas cores, pelas suas formas redondas e tranquilizadoras, pela sua passividade, maleabilidade e desproporção das mascotes que apresenta (olhos grandes, boca pequena, etc).
Intrigada com a ambivalência desta relação com o mundo, analisei algumas das questões físicas e políticas levantadas pela estética “fofinha”. Devemos olha-la como um símbolo de um consumismo regressivo e uma forma de apaziguamento do pensamento critico? Ou como um elogio à fragilidade, às coisas de pouca acção e, como potencial gesto contra aquilo que é duro e preestabelecido? Não negando a primeira opção, é sobretudo, na segunda opção que me concentrei. Tentando olhar para o fofinho como um possível gesto de rebelião e de emancipação e, tentar, ao fazer uma peça de dança “fofa”, libertar este conceito dos preconceitos, abrindo o seu campo interpretativo.
Como extensão e contraponto ao conceito “fofinho”, quiz olhar para o subjectivo que coordena o “corpo-adolescente”. Porque o “corpo-adolescente”, essa metamorfose ambulante[1], está na fronteira entre o mundo infantil e o mundo adulto, entre o mundo macio e o mundo concreto. Comecei por seguir nas redes sociais, figuras como Haruka Kurebayashi e Lin Lin Doll, que assumiram um modo de vida kawaii e recriaram assim, o seu destino tão facilmente marcado pela sociedade japonesa (e em geral). Raparigas e rapazes livres (até determinado alcance) das normas impostas –vestem-se de forma não-normativa, comem de forma não-normativa, trabalham pelas suas convicções. De seguida, olhei para os corpos-adolescentes presentes no cinema de Larry Clark e Korine Harmony[2]. Nos seus filmes, fui marcada pela sensação de um “presente extremo” criado pelo contexto social difícil, estes adolescentes e crianças ocupam-se a sobreviver tirando o maior prazer possível do seu contexto. Se no caso do kawaii o movimento temporal a adoptar é o de retrocesso (infantilização), os adolescentes de Harmony e Clark vivem num presente extremo, onde o futuro nunca se apresenta.
A adolescência, é marcada pela pressão de escolher um futuro. Considero que estas “pressões” são extremamente violentas e castradoras. A obsessão com o futuro cria problemas, porque obriga a escolher rapidamente caminhos já traçados e obriga a pensar como os outros, em vez de pensar por si mesmo. Mas, é claro que a negação de um futuro também cria problemas… A peça FoFo encontra-se no limbo desta questão, por um lado a necessidade de construir um presente sem recriar futuros tóxicos e por outro, o tempo que avança e que pede concretude e, pão na boca.
A peça FoFo não reproduz estéticas associadas ao fofinho mas, tenta transcrever alguns dos seus processos. Porque FoFo é uma peça de dança, o que a define são um conjunto de danças sem futuro, concretudes soltas ao acaso, mudanças de projecto, processos de “monstrificação” e constatações “senxuais” (sensuais e sexuais). Que acontecem, na tentação de um espaço cénico de um extremo-presente, habitado por corpos de baixa tonicidade, macios, maleáveis, resistentes à violência, saborosos e entusiasmados.
[1] Citando Raul Seixas – video
[2] Kids (1995) de Larry Clark e Korine Harmony; Gummo (1997) de Korine Harmony ; Ken Park (2002) de Larry Clark.