Sonhos Comuns, 2025

Sonhos Comuns (título Provisório) é uma peça interdisciplinar que resulta de uma reflexão sobre o sonho. O sonho, essa matéria tão singular a cada pessoa, mas tão enigmática a ela mesma. Interessou-me pensar se existem sonhos recorrentes a um grande número de pessoas. Quem nunca sonhou com uma queda no vazio? Quem nunca sonhou que voava? Quem nunca sonhou com uma perseguição? Lembras-te dos teus sonhos ? Já soubeste dentro do sonho que estavas a sonhar? Será que o sonho pode resolver problemas? Podemos no sonho comunicar com animais ou com os nossos antepassados? Será que o sonho, pode ver o futuro? Será que podemos sonhar o mesmo sonho?

Numa primeira intuição, a peça Sonhos Comuns é um espetáculo sensorial, com composições e ambiente sonoro de João Polido, o trio vocal Guarda-Rios (composto por João Neves, Mariana Camacho e Susana Nunes) e, duas bailarinas, eu mesma Ana Rita T e Joana Gomes. As duas bailarinas são acompanhadas de um grupo de dez bailarinos (profissionais e amadores) que produzem formas circulares e serpentinas, numa coreografia espacial. As duas bailarinas terão a função de se destacar da coreografia “serpentina” para desenvolverem danças singulares, cheias de detalhes. O trio vocal e o ambiente sonoro sustentam uma trama imagética que converge as danças e a coreografia para um mesmo sentido, que é poético, não linear e que tem como base elementos do sonho que são, talvez, comuns a um grande número de pessoas. 

O projeto Sonhos Comuns articula-se com um interesse em traduzir a dança em palavras e, ou em encontrar formas de comunicar uma dança, ou de compor uma dança através de palavras. Este interesse, levou-me ao trabalho de audiodescrição em dança (AD). Esta peça procura ser inclusiva a um público cego ou com baixa visão não pela descrição oral dos eventos à posteriori, como o propõe a AD, mas pensada como um espectáculo que é em si acessível logo desde a sua concepção. A bailarina cega Joana Gomes, contribuirá pela sua condição a este objectivo.

Pensando que a descrição de uma dança tem algo de semelhante com o sonho, porque ambas produzem imagens mentais e sensoriais difíceis de traduzir em palavras, propõe-se tirar o visual da hierarquia dos sentidos, o visual como prova do real e criar uma trama poética e sensorial, acessível e concreta no imaginário do sonho, com o qual cada qual se poderá identificar.

PROCESSO

Pretendo assim, trabalhar em cinco etapas:

A primeira etapa consiste em ouvir e gravar a descrição de sonhos de diversas pessoas. Estas gravações são matéria sonora para João Polido compor, e também um complemento ao trabalho de composição das danças de Ana Rita T e Joana Gomes . 

Para me guiar na recolha de sonhos, inspirei-me particularmente nas reflexões de Tobie Nathan, psicólogo, professor e escritor francês, com grande trabalho desenvolvido na etnopsicologia. O seu livro “La Nouvelle Interprétation des Rêves” (2013) – A nova interpretação dos sonhos – é uma proposta clara contra as simbologias dos sonhos, que atribuem significados fixos que poderiam servir a qualquer pessoa. O sonho é matéria singular, mas porque vivemos em comunidade e partilhamos preocupações, desejos comuns, os sonhos também nos aproximam. A partir do seu livro, destaquei as seguintes categorias que servirão como guia para construir esta recolha de sonhos e que servirão como base para a trama da peça:

. Perder pé, adormecer, cair.

. Sequência de imagens – travessias.

. Não encontrar algo, perder algo.

. O pesadelo, o grito que acorda.

. Sexo e o prazer.

. Inversão de papéis, o pequeno que se torna grande, o cavalo que conduz o seu cavaleiro.

. Sonhos da falta, sonhos do excesso, sonhos do medo e sonhos da esperança.

. Sonho inventor de novas propostas, solução a problemas.

. A morte ou os mortos.

. O sonho como esboço do dia seguinte.

A partir destas recolhas de áudio e das categorias de sonhos acima descritas, eu e a bailarina Joana Gomes trabalharemos em danças. Danças a solo, que se compõe com a singularidade e o imaginário de cada uma de nós, danças que começam e acabam como se uma música estivessem a seguir. O processo de composição, passa por re-escrever a dança feita anteriormente até que ela se componha ao que consideramos, de forma intuitiva, justo e interessante para a globalidade da coreografia. Este “re-escrever” é tanto coreográfico, voltar a dançar com ideia de compor, como textual, isto é, descrever com uso das palavras, os acontecimentos e sentimentos experienciados, num balanço entre o que “eu sinto” e o que “eu faço”. 

Esta etapa vai dar origem a um conjunto de danças que estão descritas em papel, como uma partitura-poema. Uma mistura de monólogo interior com uma descrição concreta do movimento e dos gestos.

Com estas partituras-poemas trabalharei em conjunto com o trio vocal Guarda-Rios para compormos canções que dão texto e imaginário à dança e à coreografia. Provavelmente as canções não serão compostas com todo o texto da partitura-poema, mas com uma base que dê a entender o “coração” da dança e as intenções relevantes para a categoria do sonho.

Esta é uma etapa de composição coreográfica, onde desenharei as coreografias para o grupo de dez bailarinos (amadores ou profissionais) e que se integram nas danças das duas bailarinas. Um trabalho feito em paralelo mas em conjunto com João Polido, para unirmos som e movimento no sentido global da peça. Esta etapa é inicialmente feita em papel e  depois então com o grupo de 10 bailarinos.

Descrição da imagem: Desenho livre para exemplificar o movimento serpentino dos 10 bailarinos.

Juntar todos os elementos no mesmo espaço – dança, ambiente sonoro, trio vocal e coreografia para 10 bailarinos. Ajustar e desfrutar. 

⌂ FICHA TÉCNICA

Concepção e interpretação: Ana Rita Teodoro
Assistente de direção: por definir
Interpretação: Joana Gomes
Compositor: João Polido
Trio vocal: Guarda-Rios – João Neves, Mariana Camacho e Susana Nunes
Produção e administração: Associação Parasita - Sofia Lopes e Lysandra Domingues
Co-produção em residência: O Espaço do Tempo
Apoio: República Portuguesa – Cultura/Direção-Geral das Artes